À Imagem Rizoma de João Tabarra – Uma Análise Crítica
A
escolha do título – À Imagem Rizoma de João Tabarra – prende-se na
definição que Gilles Deleuze e Felix Guattari atribuíram em Mil Planaltos –
Capitalismo e Esquizofrenia2 à palavra rizoma, que podemos considerar como
análogo às imagens e conceitos deste autor: “Um rizoma não deixaria de conectar
elos semióticos, [...]. Um elo semiótico é como um tubérculo ao aglomerar actos
muito diversos, linguísticos, mas também perceptivos, mímicos, gestuais[...].” Estes
autores continuam dizendo: “um método tipo rizoma só pode analisar a linguagem
ao descentrá-la noutras dimensões e noutros registos” (Deleuze, Guattari, 2007:
26) Ou seja, as imagens de João Tabarra funcionam numa lógica rizomática de um
encadeamento de natureza diversa. Entre o que está visível e o que está
invisível: a alegoria e o humor, o político e a condição humana, são tudo
linhas de enunciação que se complexificam e se interligam no trabalho de João
Tabarra.
No entanto antes de nos debruçarmos sobre este autor convém fazer uma pequena menção acerca da fotografia e das suas implicações como parte estruturante na nossa sociedade.
Desde a sua apresentação ao público, a fotografia firmou o seu lugar no mundo. Numa encruzilhada ontológica e epistemológica, no que concerne ao seu lugar na moldura do real, a fotografia foi tida, por um lado, como um dispositivo científico, devido ao seu carácter de verosimilhança, apresentando-se como ferramenta credível ao método científico. Ou, embora num parecer secundário, como elemento expressivo e artístico, como foi apresentado através do Movimento Pictorialista no fim do séc. XIX e inicio do séc. XX. Além de conquistar um lugar no mundo das artes, a fotografia veio libertar a pintura na sua obsessão pela semelhança, tal como foi declarado por André Bazin no seu ensaio Ontologia da Imagem Fotográfica de 1945. Por outras palavras, a fotografia, ou melhor, o acto fotográfico desde o seu aparecimento colocou questões bastante pertinentes na relação que o homem tem com o seu ambiente. Uma relação dialógica entre o homem e o mundo, mediado pela máquina fotográfica e o seu produto: a imagem técnica.
No entanto, algo que podemos constatar, numa breve análise à história da fotografia, é a sua abertura à truncagem, ou seja, além do acto fotográfico re-apresentar o real tal como ele é, e tal como ele foi (o «isto foi» barthesiano), a fotografia foi sempre uma espécie de (re)construção com fortes conotações culturais. Será então nesta perspectiva de re-construção através da fotografia que este ensaio irá discorrer pelos trabalhos de João Tabarra.
À Imagem Rizoma de João Tabarra -
João Tabarra (Lisboa, 1966) iniciou-se nos estudos de fotografia no Ar.co nos anos oitenta, onde o método de formação recaia nas convenções de como fotografar deveria ser, ou seja, enquadramentos equilibrados (regra dos terços), fotometria correcta, etc., sendo o fotojornalismo a principal influência desta escola. Tabarra começa então a sua carreira como fotojornalista, apesar de ter sido referenciado pelos seus tutores como artista e não como fotógrafo “puro”. Algo que fez sentido a este autor, já que todas as convenções da fotografia não se ajustavam ao seu entender. Tabarra começa assim a considerar-se como um pensador recorrendo à expressividade das imagens e não como um mero produtor de imagens integrando uma agenda mediática. Será a ética e não a estética que determina o pensamento de Tabarra. Contra uma esteticização do horror, onde não há imagens inocentes, e todas elas são algo mais do que aparentam ser. No entanto, é correcto apontar que a influência como foto-repórter é tornado patente a partir da série No Pain No Gain (2000), série que entrecruza o realismo fotográfico e o surrealismo encenado.
Sendo assim definir João Tabarra como fotógrafo ou como artista plástico seria cair numa discussão sem sentido. Seria perder tempo sem poesia.
João Tabarra através de uma desconstrução do real cria novas narrativas visuais que recolocando outros significados à ordem invertida e por vezes absurda que estrutura a sociedade moderna. Recorrendo à alegoria, ao humor, ao cinismo, à provocação e tendo sempre como banda sonora os tambores da irreverência e rebeldia, este autor apresenta-nos um leque de obras que têm como intenção colocar o espectador num lugar não de consumidor, mas de pensador, no e para o descobrimento – para um reconhecimento de si. Em suma os trabalhos deste autor não se cingem a uma mera significação bidimensional, mas vivem de uma complexidade e profundidade que requer ao espectador aquilo que Vilém Flusser salientou no seu livro Ensaio sobre a Fotografia, para uma Filosofia da Técnica (1998), de um acto de «scanning».
Comecemos então por analisar os trabalhos de João Tabarra: «Portugueses na Europa» de 1995, interroga a contemporaneidade portuguesa. A imagem típica de um português a desfrutar o seu momento de lazer numa piscina de hotel, flutuando à tona de água com o auxílio de uma bóia. Nesta imagem fortemente irónica, podemos considerar uma conotação profética, remetendo para aquilo que hoje em dia a sociedade portuguesa vive, inserida no contexto económico europeu. Algo que vai ao encontro do método de “cut-up's” de William S. Burroughs. Este autor da Beat-Generation afirma que após várias recorrências a este método, certos resultados podem alcançar o potencial de profecia. JT também recorta de diversas fontes – a piscina do hotel, o cliché do português com a sua bóia, a bandeira da União Europeia – e produz uma nova colagem, uma nova imagem: uma “janela” para um futuro que em 1995 estava longe de ser previsto.
Nesta primeira análise, podemos constatar que JT, recorre de uma elaboração ensaiada que embora imite situações aparentemente banais, se tornam ambíguas. Por um lado, o humor com a situação caricata de um homem com uma certa idade a flutuar numa piscina de hotel, erguendo uma bandeira da UE, por outro lado a consciência política do que é hoje uma realidade: o português é uma espécie de náufrago na União Europeia! São indícios de uma desconstrução do real de modo a criar novas narrativas. Algo que está presente em todos os trabalhos de JT. O carácter indicial da fotografia é de certo modo tornado caótico, cortado e ficcionado para que através deste elemento signíco da imagem, se converta num convite formal para o espectador mergulhar sobre aquilo que JT propõe: questionar a sociedade em que vivemos!
Outro exemplo desta desconstrução é a obra de 1997 intitulada «What Type of Contestation are We Asking for? (Paraíso)». Tabarra surge “colado” num ambiente idílico, acompanhado por animais selvagens e domésticos, o que remete para a ideia utópica do paraíso cristão, onde todo o ser vivo habita em harmonia. Encontramos aqui a ironia e o cinismo, também na lógica de “cut-up's”.
Esta imagem, como se tratasse de um cartaz publicitário, projecta aquilo que a sociedade moderna e hedonista idealiza para o homem: A Cultura de Consumo – tão própria da publicidade, de Hollywood, ou da Walt Disney, onde tudo o que é objecto de desejo e consumo nos irá providenciar...felicidade. A personagem está no centro e tudo está ao seu alcance. Uma imagem que expõe uma crítica a essa construção utópica e forjada da sociedade capitalista. O próprio formato de outdoor, ou da grande tela do cinema, evidencia este carácter publicitário e hollywoodesco. Também de referir o modo como este trabalho tem uma pretensão de manipulação ao noema da fotografia expresso por Roland Barthes. Um trabalho de colagem aparentemente atabalhoada, de 1997, que remete para uma narrativa ficcionada, e que podemos indicar como um prenúncio para os futuros trabalhos de JT, onde o próprio se elege enquanto personagem de representação.
Com este gesto, JT não se insere como ele próprio (o artista), mas antes como se fosse um cidadão comum, assumindo assim uma espécie de fingimento poético pessoano. Em Estudos Sobre Fernando Pessoa (1981), Georg Rudolf Lind afirma o seguinte:
«[...] segundo a opinião de Pessoa, é a fantasia quem empresta ao poeta a força para fingir sentimentos que ele considera poeticamente utilizáveis; ela torna-o capaz de realizar a transformação artística desses sentimentos. Deste modo, o conjunto de todo o material de vivências, as constituídas por sonhos, portanto situações anímicas não vividas, inventadas com o auxílio da fantasia, e as vivências autênticas, constitui o «terraço sobre outra coisa ainda», isto é, o ponto de partida para a obra de arte e a sua beleza” (Lind, 1981: 315).
Tabarra como que um poeta que finge tão completamente que chega a fingir a dor que sente...navega num horizonte de fingimento, e de fantasia, e pelo caos que nos convoca todos os dias, eis que surge uma fada travesti debruçada num caixote do lixo, ou puxando um carrinho de compras. São estas alusões ao mundo caótico e fantasioso que JT exerce a sua crítica.
A sociedade capitalista preocupa-se em entreter as massas com pseudo-acontecimentos, conseguindo o seu propósito cunhando o real com uma seriedade falsa, já JT através do humor e da ironia, tenta remover estes obstáculos de modo a procurar e apresentar a complexidade do conhecimento, possivelmente como que um processo de sabotagem a qualquer tipo de ordem simbólica, no qual o espectador é o sujeito alvo para emancipação. Uma ruptura tensional ao ritmo das imagens.
Numa crítica constante à sociedade dos nossos dias, debruçamo-nos no trabalho «Circle» de 2007. Um vídeo que apresenta pessoas num terreno, caminhando em círculo pela penumbra (no sentido figurado de uma certa obscuridade), passando ao lado de uma fogueira, numa espécie de ritual. Embora todos tenham a oportunidade de aquecer as suas mãos, a maior parte do tempo circulam pelo escuro e pelo frio. Algo que pode ser lido como uma indicação às dificuldades e falhas na distribuição de riqueza da sociedade.
Se uma das atenções nas obras de JT é a condição humana, algo que não fica de fora é a relação que os seus trabalhos têm com o espectador. Tal como já foi dito, existe um desassossego para que o espectador pare diante as suas obras, e mergulhe naquilo que é apresentado, ou seja, que apreenda tempo de contemplação. O espectador tem que ter a vontade de descobrir o antes e o depois. O artista não está para entreter mas para dar conhecimento. Um exemplo desta intenção é o trabalho «The Moonwatchers Defeat» (2007). Numa referência a “2001 – Odisseia no Espaço”, o momento de lançamento e suspensão do osso, no qual, segundo o filme, seria o grande salto técnico para o futuro, em «The Moonwatchers Defeat», surge o inesperado...dá-se uma desintegração. Claro que é subentendido que o espectador tenha conhecimento desta obra de Stanley Kubrick, mas JT oferece mais para o espectador se relacionar e questionar perante esta obra. Porquê a derrota de “Moonwatchers”? Segundo João Tabarra, “moonwatcher” foi o nome dado ao personagem que encarnava o papel de macaco, já que havia necessidade de ser diferenciado dos outros personagens do set de “2001 – Odisseia no Espaço”. Pormenores que enriquecem as imagens de JT, evidenciando todo um trabalho de reflexão e pesquisa, algo que o próprio autor expressa como necessário para os seus poemas imagéticos.
Conclusão –
Oscar Wilde em A Alma do Homem sob o Socialismo (2002) diz: “Uma obra de arte é o resultado único de um temperamento único. A sua beleza vem do facto de o seu autor ser o que é. Nada tem a ver com o facto de outras pessoas desejarem o que desejam. Na verdade, no momento em que um artista sabe o que os outros desejam, e tenta atender ao gosto deles, cessa de ser artista”. (Wilde, 2002: 42). Através desta leitura de Oscar Wilde, Tabarra é um artista que expõe questões ao público através de alegorias, de modo a questionar a sociedade em que vivemos. Sem criar imagens fáceis de digerir, incorporando o humor, a ironia e o cinismo, JT constrói formas políticas de modo a que o espectador se questione sobre a sua posição como humano através do que está a observar, e sobre qual o seu papel no mundo.
As imagens deste autor, em toda a sua dinâmica filosófica e poética, são também uma resposta crítica ao mundo de imagens sensacionalistas, que operam numa lógica de sedução banal tornando-se elas próprias imagens banais sem ideais.
Equilíbrio e gravidade, espírito crítico à contemporaneidade, humor e ambiguidade, ou figuras de estilo como, alegoria, cinismo, ou a metáfora, são alguns dos elementos presentes nos trabalhos de João Tabarra. E na viagem de análise pelos seus trabalhos, podemos ancorar estas palavras àquilo que Gilles Deleuze aponta no seu livro Cinema 1 a imagem-movimento (1983):
As Figuras são estas novas imagens atrativas, atracionais, que circulam através da imagem-ação. Com efeito, quando Fontanier tenta sua grande classificação das "figuras do discurso" no início do século XIX, o que ele assim designa se apresenta sob quatro formas: no primeiro caso, tropos propriamente ditos, uma palavra tomada num sentido figurado substitui uma outra palavra (metáforas, metonímias, sinédoques); no segundo caso, tropos impróprios, é um grupo de palavras, uma proposição que tem o sentido figurado (alegoria, personificação, etc.); no terceiro caso há efetivamente substituição, mas é no seu sentido estritamente literal que as palavras sofrem trocas e transformações (a inversão é um desses procedimentos); o último caso consiste enfim nas figuras de pensamento que não sofrem nenhuma modificação de palavras (deliberação, concessão, sustentação, prosopopéia... etc.).
As imagens-acção de João Tabarra caminham assim numa estrutura de imagens atractivas, apelando a questões cujo o significado fica em aberto, tal como demonstrado na série «Degelo», onde a personagem não é explicita se está a sair do caule da árvore, ou se está a conchegar-se à árvore.
Será que JT tenta preencher a abertura de significado, que poderemos considerar como um vazio, com a sua própria ficção? A abertura de significado, como já referimos, poderá ser realmente uma sabotagem a qualquer manifesto totalizante da ordem simbólica?
Uma tentativa de desconstruir a conotação imperiosa das imagens?
No entanto antes de nos debruçarmos sobre este autor convém fazer uma pequena menção acerca da fotografia e das suas implicações como parte estruturante na nossa sociedade.
Desde a sua apresentação ao público, a fotografia firmou o seu lugar no mundo. Numa encruzilhada ontológica e epistemológica, no que concerne ao seu lugar na moldura do real, a fotografia foi tida, por um lado, como um dispositivo científico, devido ao seu carácter de verosimilhança, apresentando-se como ferramenta credível ao método científico. Ou, embora num parecer secundário, como elemento expressivo e artístico, como foi apresentado através do Movimento Pictorialista no fim do séc. XIX e inicio do séc. XX. Além de conquistar um lugar no mundo das artes, a fotografia veio libertar a pintura na sua obsessão pela semelhança, tal como foi declarado por André Bazin no seu ensaio Ontologia da Imagem Fotográfica de 1945. Por outras palavras, a fotografia, ou melhor, o acto fotográfico desde o seu aparecimento colocou questões bastante pertinentes na relação que o homem tem com o seu ambiente. Uma relação dialógica entre o homem e o mundo, mediado pela máquina fotográfica e o seu produto: a imagem técnica.
No entanto, algo que podemos constatar, numa breve análise à história da fotografia, é a sua abertura à truncagem, ou seja, além do acto fotográfico re-apresentar o real tal como ele é, e tal como ele foi (o «isto foi» barthesiano), a fotografia foi sempre uma espécie de (re)construção com fortes conotações culturais. Será então nesta perspectiva de re-construção através da fotografia que este ensaio irá discorrer pelos trabalhos de João Tabarra.
À Imagem Rizoma de João Tabarra -
João Tabarra (Lisboa, 1966) iniciou-se nos estudos de fotografia no Ar.co nos anos oitenta, onde o método de formação recaia nas convenções de como fotografar deveria ser, ou seja, enquadramentos equilibrados (regra dos terços), fotometria correcta, etc., sendo o fotojornalismo a principal influência desta escola. Tabarra começa então a sua carreira como fotojornalista, apesar de ter sido referenciado pelos seus tutores como artista e não como fotógrafo “puro”. Algo que fez sentido a este autor, já que todas as convenções da fotografia não se ajustavam ao seu entender. Tabarra começa assim a considerar-se como um pensador recorrendo à expressividade das imagens e não como um mero produtor de imagens integrando uma agenda mediática. Será a ética e não a estética que determina o pensamento de Tabarra. Contra uma esteticização do horror, onde não há imagens inocentes, e todas elas são algo mais do que aparentam ser. No entanto, é correcto apontar que a influência como foto-repórter é tornado patente a partir da série No Pain No Gain (2000), série que entrecruza o realismo fotográfico e o surrealismo encenado.
Sendo assim definir João Tabarra como fotógrafo ou como artista plástico seria cair numa discussão sem sentido. Seria perder tempo sem poesia.
João Tabarra através de uma desconstrução do real cria novas narrativas visuais que recolocando outros significados à ordem invertida e por vezes absurda que estrutura a sociedade moderna. Recorrendo à alegoria, ao humor, ao cinismo, à provocação e tendo sempre como banda sonora os tambores da irreverência e rebeldia, este autor apresenta-nos um leque de obras que têm como intenção colocar o espectador num lugar não de consumidor, mas de pensador, no e para o descobrimento – para um reconhecimento de si. Em suma os trabalhos deste autor não se cingem a uma mera significação bidimensional, mas vivem de uma complexidade e profundidade que requer ao espectador aquilo que Vilém Flusser salientou no seu livro Ensaio sobre a Fotografia, para uma Filosofia da Técnica (1998), de um acto de «scanning».
Comecemos então por analisar os trabalhos de João Tabarra: «Portugueses na Europa» de 1995, interroga a contemporaneidade portuguesa. A imagem típica de um português a desfrutar o seu momento de lazer numa piscina de hotel, flutuando à tona de água com o auxílio de uma bóia. Nesta imagem fortemente irónica, podemos considerar uma conotação profética, remetendo para aquilo que hoje em dia a sociedade portuguesa vive, inserida no contexto económico europeu. Algo que vai ao encontro do método de “cut-up's” de William S. Burroughs. Este autor da Beat-Generation afirma que após várias recorrências a este método, certos resultados podem alcançar o potencial de profecia. JT também recorta de diversas fontes – a piscina do hotel, o cliché do português com a sua bóia, a bandeira da União Europeia – e produz uma nova colagem, uma nova imagem: uma “janela” para um futuro que em 1995 estava longe de ser previsto.
Nesta primeira análise, podemos constatar que JT, recorre de uma elaboração ensaiada que embora imite situações aparentemente banais, se tornam ambíguas. Por um lado, o humor com a situação caricata de um homem com uma certa idade a flutuar numa piscina de hotel, erguendo uma bandeira da UE, por outro lado a consciência política do que é hoje uma realidade: o português é uma espécie de náufrago na União Europeia! São indícios de uma desconstrução do real de modo a criar novas narrativas. Algo que está presente em todos os trabalhos de JT. O carácter indicial da fotografia é de certo modo tornado caótico, cortado e ficcionado para que através deste elemento signíco da imagem, se converta num convite formal para o espectador mergulhar sobre aquilo que JT propõe: questionar a sociedade em que vivemos!
Outro exemplo desta desconstrução é a obra de 1997 intitulada «What Type of Contestation are We Asking for? (Paraíso)». Tabarra surge “colado” num ambiente idílico, acompanhado por animais selvagens e domésticos, o que remete para a ideia utópica do paraíso cristão, onde todo o ser vivo habita em harmonia. Encontramos aqui a ironia e o cinismo, também na lógica de “cut-up's”.
Esta imagem, como se tratasse de um cartaz publicitário, projecta aquilo que a sociedade moderna e hedonista idealiza para o homem: A Cultura de Consumo – tão própria da publicidade, de Hollywood, ou da Walt Disney, onde tudo o que é objecto de desejo e consumo nos irá providenciar...felicidade. A personagem está no centro e tudo está ao seu alcance. Uma imagem que expõe uma crítica a essa construção utópica e forjada da sociedade capitalista. O próprio formato de outdoor, ou da grande tela do cinema, evidencia este carácter publicitário e hollywoodesco. Também de referir o modo como este trabalho tem uma pretensão de manipulação ao noema da fotografia expresso por Roland Barthes. Um trabalho de colagem aparentemente atabalhoada, de 1997, que remete para uma narrativa ficcionada, e que podemos indicar como um prenúncio para os futuros trabalhos de JT, onde o próprio se elege enquanto personagem de representação.
Com este gesto, JT não se insere como ele próprio (o artista), mas antes como se fosse um cidadão comum, assumindo assim uma espécie de fingimento poético pessoano. Em Estudos Sobre Fernando Pessoa (1981), Georg Rudolf Lind afirma o seguinte:
«[...] segundo a opinião de Pessoa, é a fantasia quem empresta ao poeta a força para fingir sentimentos que ele considera poeticamente utilizáveis; ela torna-o capaz de realizar a transformação artística desses sentimentos. Deste modo, o conjunto de todo o material de vivências, as constituídas por sonhos, portanto situações anímicas não vividas, inventadas com o auxílio da fantasia, e as vivências autênticas, constitui o «terraço sobre outra coisa ainda», isto é, o ponto de partida para a obra de arte e a sua beleza” (Lind, 1981: 315).
Tabarra como que um poeta que finge tão completamente que chega a fingir a dor que sente...navega num horizonte de fingimento, e de fantasia, e pelo caos que nos convoca todos os dias, eis que surge uma fada travesti debruçada num caixote do lixo, ou puxando um carrinho de compras. São estas alusões ao mundo caótico e fantasioso que JT exerce a sua crítica.
A sociedade capitalista preocupa-se em entreter as massas com pseudo-acontecimentos, conseguindo o seu propósito cunhando o real com uma seriedade falsa, já JT através do humor e da ironia, tenta remover estes obstáculos de modo a procurar e apresentar a complexidade do conhecimento, possivelmente como que um processo de sabotagem a qualquer tipo de ordem simbólica, no qual o espectador é o sujeito alvo para emancipação. Uma ruptura tensional ao ritmo das imagens.
Numa crítica constante à sociedade dos nossos dias, debruçamo-nos no trabalho «Circle» de 2007. Um vídeo que apresenta pessoas num terreno, caminhando em círculo pela penumbra (no sentido figurado de uma certa obscuridade), passando ao lado de uma fogueira, numa espécie de ritual. Embora todos tenham a oportunidade de aquecer as suas mãos, a maior parte do tempo circulam pelo escuro e pelo frio. Algo que pode ser lido como uma indicação às dificuldades e falhas na distribuição de riqueza da sociedade.
Se uma das atenções nas obras de JT é a condição humana, algo que não fica de fora é a relação que os seus trabalhos têm com o espectador. Tal como já foi dito, existe um desassossego para que o espectador pare diante as suas obras, e mergulhe naquilo que é apresentado, ou seja, que apreenda tempo de contemplação. O espectador tem que ter a vontade de descobrir o antes e o depois. O artista não está para entreter mas para dar conhecimento. Um exemplo desta intenção é o trabalho «The Moonwatchers Defeat» (2007). Numa referência a “2001 – Odisseia no Espaço”, o momento de lançamento e suspensão do osso, no qual, segundo o filme, seria o grande salto técnico para o futuro, em «The Moonwatchers Defeat», surge o inesperado...dá-se uma desintegração. Claro que é subentendido que o espectador tenha conhecimento desta obra de Stanley Kubrick, mas JT oferece mais para o espectador se relacionar e questionar perante esta obra. Porquê a derrota de “Moonwatchers”? Segundo João Tabarra, “moonwatcher” foi o nome dado ao personagem que encarnava o papel de macaco, já que havia necessidade de ser diferenciado dos outros personagens do set de “2001 – Odisseia no Espaço”. Pormenores que enriquecem as imagens de JT, evidenciando todo um trabalho de reflexão e pesquisa, algo que o próprio autor expressa como necessário para os seus poemas imagéticos.
Conclusão –
Oscar Wilde em A Alma do Homem sob o Socialismo (2002) diz: “Uma obra de arte é o resultado único de um temperamento único. A sua beleza vem do facto de o seu autor ser o que é. Nada tem a ver com o facto de outras pessoas desejarem o que desejam. Na verdade, no momento em que um artista sabe o que os outros desejam, e tenta atender ao gosto deles, cessa de ser artista”. (Wilde, 2002: 42). Através desta leitura de Oscar Wilde, Tabarra é um artista que expõe questões ao público através de alegorias, de modo a questionar a sociedade em que vivemos. Sem criar imagens fáceis de digerir, incorporando o humor, a ironia e o cinismo, JT constrói formas políticas de modo a que o espectador se questione sobre a sua posição como humano através do que está a observar, e sobre qual o seu papel no mundo.
As imagens deste autor, em toda a sua dinâmica filosófica e poética, são também uma resposta crítica ao mundo de imagens sensacionalistas, que operam numa lógica de sedução banal tornando-se elas próprias imagens banais sem ideais.
Equilíbrio e gravidade, espírito crítico à contemporaneidade, humor e ambiguidade, ou figuras de estilo como, alegoria, cinismo, ou a metáfora, são alguns dos elementos presentes nos trabalhos de João Tabarra. E na viagem de análise pelos seus trabalhos, podemos ancorar estas palavras àquilo que Gilles Deleuze aponta no seu livro Cinema 1 a imagem-movimento (1983):
As Figuras são estas novas imagens atrativas, atracionais, que circulam através da imagem-ação. Com efeito, quando Fontanier tenta sua grande classificação das "figuras do discurso" no início do século XIX, o que ele assim designa se apresenta sob quatro formas: no primeiro caso, tropos propriamente ditos, uma palavra tomada num sentido figurado substitui uma outra palavra (metáforas, metonímias, sinédoques); no segundo caso, tropos impróprios, é um grupo de palavras, uma proposição que tem o sentido figurado (alegoria, personificação, etc.); no terceiro caso há efetivamente substituição, mas é no seu sentido estritamente literal que as palavras sofrem trocas e transformações (a inversão é um desses procedimentos); o último caso consiste enfim nas figuras de pensamento que não sofrem nenhuma modificação de palavras (deliberação, concessão, sustentação, prosopopéia... etc.).
As imagens-acção de João Tabarra caminham assim numa estrutura de imagens atractivas, apelando a questões cujo o significado fica em aberto, tal como demonstrado na série «Degelo», onde a personagem não é explicita se está a sair do caule da árvore, ou se está a conchegar-se à árvore.
Será que JT tenta preencher a abertura de significado, que poderemos considerar como um vazio, com a sua própria ficção? A abertura de significado, como já referimos, poderá ser realmente uma sabotagem a qualquer manifesto totalizante da ordem simbólica?
Uma tentativa de desconstruir a conotação imperiosa das imagens?