Análise
crítica do filme: The Network de Sidney Lumet
Iniciemos com a pergunta: qual é a ordem do discurso? Podemos declarar que será da ordem da prática, a ordem da acção. Relações expressas entre a linguagem e o poder. Desdobremos de seguida a interrogação: o que é o discurso? Fazendo uso das palavras de Michel Foucault em A Ordem do Discurso (1999), “o discurso [...] não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objecto do desejo; [...] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.”
Observamos então que o discurso é algo extremamente elementar no que respeita à nossa actividade comunicacional. É uma manifestação exterior e interior. É uma trama que nos trespassa, como se fossemos caixas-negras, moldados por mensagens que interiorizamos e agindo por aquilo que ganha forma no nosso interior: qual estrutura discursiva, de input's e output's, baseada em relações de desejo e poder.
O discurso assume-se assim como uma forma de mediação que nos afecta diariamente: O discurso político, o discurso publicitário, o discurso da música e do cinema, entre tantos outros. E por todos os discursos que nos tomam, organizam a nossa forma de ver o mundo e de estar no mundo.
[...] , este trabalho terá como ponto de foque a análise do filme The Network de 1976. Recorrendo a diversos autores que irão servir de apoio à exposição do trabalho. Esta análise tem como propósito identificar as práticas discursivas na obra realizada por Sidney Lumet.
Sendo um filme que enquadra o jornalismo, no decurso televisivo, será o discurso jornalístico, o principal alvo de análise. O discurso da violência, também será abordado, já que este filme retrata certas condições de violência que são presentes no enunciado fílmico.
Nesta ordem, irei primeiro elaborar uma descrição do filme, focando os pontos que considero mais expressivos. De seguida, uma análise detalhada sobre os discursos de análise e mensagens presentes no filme, fazendo a ligação a tópicos encontrados no livro de referência principal: A Ordem do Discurso (1999).
The Network – Objecto de Análise
The Network, realizado por Sidney Lumet, estabelece uma sátira à televisão e ao jornalismo, ficcionando uma cadeia de televisão que combate as baixas audiências e uma enorme dívida ao seus credores. Um filme que expõe uma certa ruptura com os elementos básicos da narrativa fílmica dos nossos tempos. Uma sátira à sociedade, uma crítica ao espectáculo televisivo.
Considerado como um marco da sétima arte, esta obra, reconhecida com 4 óscares na Academia, está presente em várias listas de eleição no universo cinematográfico. Actores de renome como Faye Dunaway, Peter Finch, ou Robert Duval, estruturam parte do elenco principal. Paddy Chayefsky escreveu o argumento. Autor de filmes como o drama romântico: Marty de 1955, ou Altered States de 1980: retrato de um cientista que se serve como cobaia para as suas experiências com drogas alucinogénicas. Paddy Chayefsky, entrevistado num talk-show por Dinah Shore, é interrogado como é que o autor escreve um argumento romântico, calmo e carinhoso como o de Marty, e na sequência da sua produção de contos para o grande écran, passa para um enredo que anula o final feliz, tão típico de Hollywood. A resposta categórica de Paddy: “It's not me, I'm still writting tender, delicate pieces, it's the world that gonne nut's”. Iniciando a análise neste trabalho, encontramos nas palavras do argumentista a ruptura com a narrativa canónica, de uma resposta «com final feliz», tornando-se, assim, parte de um discurso poético que nos leva a pensar: o mundo enlouqueceu, o mundo não é de finais felizes. Continuando na descrição técnica do filme, o realizador desta narrativa, Sidney Lumet, reconhecido mestre da sétima arte, dirigindo mais de 50 filmes ao longo da sua carreira, é elogiado pelo seu conhecimento técnico, e também de obter excelentes prestações dos actores. Conhecido por filmes como: Dog Day Afternoon, de 1975, com Al Pacino, filme que retrata um assalto a um banco que não corre como previsto; ou: Before the Devil Knows You're Dead, de 2007, representado por actores como: Phillip Seymour Hoffman e Ethan Hawke.
Iniciando a nossa jornada sobre o estudo de caso, The Network tem o seu começo, na sonoridade de um narrador descrevendo o percurso do actor principal: Howard Beale protagonizado por Peter Finch. Beale, pivot da cadeia de televisão UBS, foi sempre considerado um homem importante na estação. Cativante de boas audiências, apelidado como: “grand old man of news”. No entanto, o seu período áureo, entrou em declínio. A audiências começaram a cair, a sua mulher faleceu e ficou encarregue da educação do seu filho. Nesta mudança de glória, para a ruína, o seu amigo de longa data, informa-o que vai ser despedido devido às más audiências. Beale em resposta, embebido em desespero, propõe suicidar-se em directo no seu programa. No bar, o seu amigo, Max Schumacher, num tom impudico e já com uma boa dose de álcool a correr nas suas veias concorda com Beale. Ajudando a intenção desesperada do seu amigo, sugere emissões televisivas com suicídios, ou assassinatos a que ele chama de “Death Hour”: um programa familiar na noite de domingo. Um momento de desespero que revela desejos ocultos de uma espectacularidade conquistada a qualquer preço.
Howard Beale, que se vê em fim de carreira, sem motivo algum para continuar a vida, coloca-se na beira de um precipício em frente a uma câmara. E é essa a posição que o “grand old man of news” encarna. Não tem nada, logo não tem nada a perder.
A personagem principal deambula no estúdio, com um copo de whisky na mão, ignorado pelo resto dos colegas, tornando-se como que um mero adereço de cenário. Um corpo sem vida, que apenas lhe é atribuído algum fulgor perante as câmaras. Só aí Howard Beale é visto e existe. Em directo Beale declara o seu suicídio. A estruturas da televisão tremem e a televisão não voltará a ser a mesma. Momento de ruptura com a prática discursiva do jornalismo. Beale é retirado do ar.
No entanto, este momento é visto como oportuno pela chefe do departamento de programação, interpretado por Faye Dunaway. Diana, que revela características de uma deusa da mitologia romana, uma caçadora de sucessos televisivos, propõe que o programa seja reposto. As suas palavras são deveras esclarecedoras de uma exposição, quase sanguinária, para atingir resultados positivos nas audiências:
“The american people are turning sullen. They've been clobbered on all sides by Vietnam, Watergate, inflation, depression. They've turned off, shot up, fucked themselves limp, and nothing helps.”
Em análise assenta que o povo americano quer alguém que articule a sua raiva e Howard Beale vai ser esse alguém.
De seguida o filme é atravessado por vários momentos marcantes. Um deles é o discurso do profeta louco, após um encontro com uma força estranha que o abordou durante a noite, como que algo que o conectou a todas as coisas viventes. Atribuindo-lhe a responsabilidade de dizer a verdade, a verdade humana, pelo simples facto de ter milhões de pessoas como espectadores. O potencial óbvio da televisão como canal privilegiado na divulgação de mensagens. Inicia-se assim a apresentação de discursos sustentados no valor de verdade de um profeta louco. O louco desejo de criar alguma acção nos ouvintes. Algo que resulta. Beale também na sua atitude manipulativa coloca todos os espectadores a gritar pela janela de suas casas: “I'm mad as hell and I'm not gonna take this anymore!”. Palavras de ordem que não se cingem apenas ao contexto temporal da realização deste filme, mas de um tempo presente, que navega nas mesmas situações de inércia e conformidade social.
O seu discurso, continua com a crítica à tirania do espectáculo. Criticando a passividade do espectador. Criticando o estado natural das coisas. O ar que respiramos, os alimentos que ingerimos. Tudo está impróprio. A notícias relatadas que apenas expõem crimes e violência, como se fosse apenas isso que se passa no mundo. Beale em pranto, apela que a vida tem significado. A vida não é apenas os objectos que temos e que nos possuem. Temos que nos enfurecer, libertarmo-nos do jugo da escravidão mediática (através de um acto libertador, um acto de loucura?).
O programa do profeta louco, continua o seu curso afamado com constantes aumentos de audiências. Por ora, não importa o que ele diga, apenas que faça a empresa ganhar dinheiro. Diana, a caçadora de programas, prepara um novo espectáculo: Pretende criar um “tv-show”, uma série dramática que retrata um grupo de terroristas comunistas na sua demanda contra o sistema – “Ecumenical Liberation Army”. Apresentando-se a uma das líderes do grupo terrorista, Diana, de maneira esclarecedora, expressa-se da seguinte forma: “I’m Diana Christensen, a racist lackey of the imperialist rulling circles” – Palavras frontais, de uma vontade de verdade. Diana, propõe para o programa actos autênticos de terrorismo político! A intenção da caçadora é a busca do espectáculo da violência. Uma exposição frontal aos propósitos, por vezes encobertos, dos media: O sensacionalismo; alimento das massas.
Este momento do filme, prevê também uma intenção da lógica do “broadcast yourself” mote fundador do aparelho mediático, YouTube, projecção do que foi instituído pelo principio “star system”: todos podem ser estrelas do écran.
O slogan é criado: “I’m as hell and I’m not gonna take this anymore” – e como um parasita, aloja-se na mente do sujeito-espectador. Um acto repetitivo que transforma o seu poder actuante.
Beale continua a sua crítica social, colocando o poder “tele-visivo”, como dispositivo de propaganda. A ilusão é projectada e segundo o protagonista, a loucura já está instalada em todos. De notar como este filme demonstra uma certa loucura generalizada. Processo mediatizado e incorporado, por princípios socioeconómicos. Uma rede que nos liga de forma totalizante e estruturante. O louco profeta coloca também em cena, no seu discurso, o mundo das corporações, o mundo como espaço de meras trocas financeiras. Beale coloca em cheque este mundo de negócios pedindo ao povo americano que se manifeste contra a dominação corporativista, algo que consegue, fazendo cancelar um negócio de milhões de dólares.
Este discurso contra um sistema financeiro, por vezes representado por “um eles”, denota distanciamento, numa lógica de triangulação na construção/interacção do sujeito(eu; tu; ele): o “eles” como espaço vazio que necessita de ser preenchido, como forma de responsabilizar o que está em falta (no eu do sujeito).
No entanto este “eles” apresentado no filme, tem um evangelho, uma doutrina que é confidenciada ao profeta da televisão. Beale tem um encontro com o membro executivo do conglomerado CCA. É nos apresentado essa doutrina que rege as leis do mundo, conforme expresso pela personagem Artur Jensen. Um discurso complexo, que iremos analisar mais à frente. No entanto de notar a composição desta cena, que é deveras interessante: Beale sentado numa longa mesa de reunião. Uma luz sombria, apenas revelando as faces dos actores. Artur Jensen (enquadrado pela câmara num plano de distância, incorporação cinematográfica do “eles” – tele-objectivação do discurso do “sistema”), de pé, é colocado numa posição de deus, gesticulando com os braços, palavras de uma verdade, a verdade do capitalismo, que quebra a noção de fronteiras, expondo como o verdadeiro do discurso: o fluxo económico que determina o poder. O poder corre como uma maré, e nada o pode parar, segundo as palavras do membro executivo. Este tipo de discurso tão explícito de uma intenção corporativista, colocado sobre o cenário do cinema, ganha uma dimensão ficcional. Embora como espectadores deste filme, sejamos confrontados com algo, que aparenta ser mais que palavras de um mero argumento ficcional, a nossa percepção acerca da mensagem– o mundo como um negócio - poderá também ela se tornar objecto de ficção. O poder de ficcionar um discurso do real.
As mensagens de Beale, após o encontro fatídico com o deus do mundo das corporações, torna o seu discurso depressivo e enfadonho. Ninguém quer ouvir falar de um mundo que se está a desumanizar. Um mundo tornado numa massa consumidora. E o que sustenta Howard Beale no ar, começa a falhar. As audiências caiem a pique. Howard torna-se um louco inconveniente, não-lucrativo para a cadeia de televisão e necessita de ser insulado.
Notamos, nos constantes diálogos, a presença de mensagens no qual colocam certas personagens do filme como encarnações do espírito mediático dos media. Como seres vazios, humanóides, regidos pelas máquinas de poder. Max Schumacher, aparentemente lúcido sobre a verdade construída pelos media, compara Diana ao dispositivo dos mass media: Tudo o que a televisão toca, destrói. A indiferença à miséria, insensibilidade à alegria. Toda a vida é banalizada. O negócio diário da vida é uma comédia corrupta. Schumacher finaliza: “You’re Madness Diana. Virulent madness. And everything you touch dies with you”.
Perto do fim deste película, representativa do mundo do jornalismo, somos cotejados com um diálogo entre os directores da estação televisiva e a personagem Artur Jensen. O chefe-executivo do conglomerado pretende manter Howard Beale a todo o custo, já que o louco é a voz para o novo evangelho descritivo do mundo dos negócios. Por outro lado, a administração da UBS, vê com maus olhos a manutenção de Beale. A solução: A morte do profeta. Diana propõe como que uma acção retroactiva, que o grupo terrorista, Ecumenical Liberation Army”, providencie o assassinato em directo. O profeta louco, produtor do discurso: “I’m mad as hell and I’m not gonna take this anymore” é eliminado em directo perante os olhos de milhares de espectadores.
O filme termina com a frase: “This was the storie of Howard Beale. The first known instance of a man who was killed because he had lousy ratings.”
The Network – O Discurso Jornalístico, na ordem do discurso de Michel Foucault
Após a apresentação do objecto de análise, podemos constatar que o enunciado do filme baseia-se numa teia de práticas narrativas de carácter simbólico, uma relação entre controlo e poder no universo do jornalismo. Como fundamento para análise deste filme, iremos cursar por certos pontos presentes na obra de Michel Foucault A Ordem do Discurso (1999), tendo como pano de fundo o discurso jornalístico.
Concebendo o discurso do jornalismo na perspectiva foucauldiana de processos externos e internos, como procedimentos de controlo e exclusão, vamos de seguida analisar os processos que são estabelecidos pela sociedade, ou seja, processos externos.
São três os factores que atingem o discurso. A interdição da palavra, a segregação da loucura e a vontade de verdade.
Numa sociedade produtora de discursos que funciona sob parâmetros de desejo e poder, a interdição da palavra é tida como parte estruturante nesta relação de controlo. Nas palavras do autor francês, a mais evidente, a interdição da palavra, é tomada como travão ao que se pode dizer: “não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (Foucault, 1999:9). Pela criação de tabus, através da interdição da palavra, chegamos aos procedimentos, que irão determinar vias e meios de «eficácia simbólica» (Debray, 2004:89). Torna-se evidente no nosso objecto de estudo, que a intenção de Beale, em transmitir o seu suicídio na televisão, é um corte com essa relação da interdição da palavra, que abala as estruturas da sociedade. O que não poderia ser dito e feito na televisão é transmitido para milhares de pessoas. Este modo de instituir as palavras como tabu, funciona de maneira a condicionar gestos de violência, algo que o corpo textual de Howard Beale tenta romper. Como tentarei identificar ao longo desta análise, este filme estabelece-se numa dissolução do que rege as práticas discursivas do jornalismo e todo a sua performance simbólica: A mediação de informação objectiva numa perspectiva imparcial, baseada em conceitos de verdade.
A impedimento da palavra do louco foi o momento inicial do discurso moderno. A segregação da loucura como outro princípio de exclusão. Não uma interdição mas uma relação dividida entre razão e loucura: “[…] o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: [...]”(Foucault, 1999:10). Howard Beale assumindo o seu desespero na televisão, coloca-se na posição de louco. E no decorrer da narrativa deparamo-nos que em vez de Beale ser afastado das câmaras é encarado como um profeta dos últimos dias protestando contra a hipocrisia dos tempos. Algo que funciona como ingrediente fundamental para o aumento de receitas. Observando o sentido do profeta, encontramos a noção descrita por Michel Foucault, como alguém que pode dizer uma verdade escondida ou que poderá predizer o futuro. Alguém que as suas palavras são tidas como extravagantes, que tanto poderão ser desprezadas ou encaradas como incorporadas de verdade. Para fortalecer esta imagem de loucura no filme, Beale tem um momento transcendental. O afamado louco da televisão, é tocado por uma força “divina” e assume-se como orador de uma verdade escondida aos olhos dos outros. Neste sentido, a manutenção do pivot no ar, é a exploração de uma vertente sensacionalista, que teve o começo no universo jornalístico, com o Yellow Journalism, retratado no filme Citizen Kane, de Orson Welles.
Nesta sequência textual prosseguimos para o terceiro principio de exclusão: A vontade de verdade. Segundo Foucault, é a vontade de verdade que coloca toda a propriedade do discurso – discurso verdadeiro – do qual o que constitui toda essa estrutura é o desejo e o poder.
A vontade de verdade, a que mais se fortalece dos três processos externos, é, segundo Foucault, apoiada num suporte institucional. Os meios de comunicação e todo o fluxo económico que cerca esta industria, cria uma opinião através da produção de discursos, dando origem a uma realidade própria. As práticas do jornalista, no seu papel de mediador de conhecimento, são ancorados no que é designado por valores-notícia, uma salvaguarda para a objectividade e verdade do discurso jornalístico. Garantindo que a produção do discurso seja tido como verdadeiro. No entanto como relato desta objectividade, temos também que incorporar a noção de que o jornalista, supostamente como sujeito, que comenta a realidade, é também parte deste jogo de suporte institucional com desejos de dominação. Uma das mensagens expressas no filme é a relação das corporações, de camada de poder em camada de poder, criando um organismo que ultrapassa as próprias noções de fronteira. Seguindo as palavras de C. W. Mills no seu texto A Elite do Poder (1981), “Os meios de comunicação não só se infiltraram em nossas experiências das realidades externas, como também penetraram na experiência interior mesma”. (Mills, 1981:367)
Uma ordem simbólica que se relaciona externamente ao sujeito numa relação de poder e controlo. Beale adverte, com um clamar de revelação:
“You're beginning to believe to the illusions we're spinning here, you're beginning to believe that the tube is reality and your own lives are unreal. You do. Why, whatever the tube tells you: you dress like the tube, you eat like the tube, you raise your children like the tube, you even think like the tube. This is mass madness, you maniacs. In God's name, you people are the real thing, WE are the illusion.”
Uma massa alimentada por discursos, que voltam a comentar, e formam um novo discurso, o discurso de uma realidade fabricada. É de analisar estas palavras do pivot profeta, referindo a loucura generalizada das massas, e a subversão no conteúdo do que é apresentado pelo tubo televisivo. Que educa, condiciona, que manipula os milhares de espectadores.
Esta estrutura institucional, coloca-nos perante o texto de Regis Debray, a Introdução à Mediologia (2004), onde é referido as superestruturas de Karl Marx: “Nas superestruturas, ondem existem discursos, formas e ideias, as máquinas e os materiais ocultam-se. [...] um corpus «ideológico» é o espírito de um corpo, o organismo colectivo que ele reproduz ou que o produz, bem como de uma determinada ferramenta de transmissão; […] um processo de pensamento tem a materialidade objectiva de um processo de organização.” (Debray, 2004:95-96). Consideramos assim o discurso jornalístico como organizador de uma linguagem que colectiva, na qual a vontade de verdade é determina por essa mesma instituição.
Na ordem do texto de Michel Foucault, consideramos como preponderante para os processos internos do discurso jornalístico, o comentário e o autor. Como formas internas de controlo, intrínsecas ao próprio discurso, reguladas por princípios de classificação, de ordenação e distribuição, o comentário, é um desnivelamento entre um texto primeiro e um texto segundo. Uma relação instável. O texto primeiro, discurso fundamental, criador e reactualizável. Os discursos que «se dizem», um sentido múltiplo ou escondido, que se afirma como possuidor de uma riqueza que lhe atribuímos fundamentando a possibilidade de o repetir. Uma acção discursiva primeira, originadora de novas acções. Do outro lado, o texto segundo, como acto da ordem da repetição, da reaparição, “[…] discursos que estão na origem de certo número de actos novos de fala que os retomam, os transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que, […] são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer”(Foucault, 1999: 22). O comentário surge assim como um retornar da acção do texto primeiro, da ordem do já dito. No discurso jornalístico, estamos constantemente perante esta noção de comentário, um discurso da ordem da repetição. Formação de opinião, não numa intenção de emancipação do homem, mas de controlo das massas, através de uma saturação discursiva.
Complementar ao comentário, o autor, é encarado segundo Foucault, como princípio de agrupamento do discurso, e não como o mero sujeito que escreve um texto, mas o resultado de unidade e origem das suas significações, que funciona deste modo como foco da sua coerência.
O argumentista Paddy Chayefsky no talk-show de Dinah Shore, questionado sobre qual a mensagem do filme, responde: “[...] how do you perserve yourself, in a world that life doesn't mean much[...]”. Continua afirmando que a sua posição de sujeito-espectador, gera o motivo e a mensagem, é a sua visão acerca do mundo, e a sua interacção com outros indivíduos, interiorizando tudo aquilo que o rodeia que é produtor de sentido. Esta distanciação de um autor como detentor de significação única, proprietário de significação, vai ao encontro das palavras de Michel Foucault no seu livro O que é um Autor?(1992): “[...] a função-autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que contém, determina, articula o universo dos discursos; [...] ela não é definida pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas por uma série de operações específicas e complexas; ela não remete pura e simplesmente a um indivíduo real, ela pode dar lugar simultaneamente a vários egos, a varias posições-sujeito que classes diferentes de indivíduos podem vir a ocupar.” (Foucault, 1992: 20) Podemos concluir que a propriedade discursiva da função-autor, dentro do discurso jornalístico, utiliza uma linguagem própria como uma operação institucional de modo a construir novos discursos (de poder).
The Network como sátira ao mundo do jornalismo emite um discurso preocupante de uma realidade que já se alojou na sociedade, como um vírus. Podemos observar que apesar do jornalismo se reger por procedimentos e rituais que aparentemente asseguram a sua objectividade e imparcialidade, com o surgimento da penny press, no séc. XIX, os jornais passam a ser encarados como um negócio. As notícias são vistas como um produto, e a venda de relatos do real é o propósito de qualquer organização noticiosa. Esta fundamentação comercial do jornalismo, coloca o discurso jornalístico dependente dos princípios da corporação, na produção do discurso verdadeiro (dos media), ou seja, no intuito de vender.
O tempo do Yellow Jornalism, de William Hearst, indicativo de uma comercialização exacerbada, tem vindo a alterar por completo todo o modo de agir no campo dos media. A busca de um jornalismo sensacionalista, cujo a imagem de violência serve como um dos panos de fundo, estabelece-se de modo a sustentar este poder material e simbólico. O discurso jornalístico apresenta-se como poder, da construção de uma atracção sensacional (e não apenas como o “Quarto Poder”). Coagindo uma tirania da velocidade e do espectáculo, concebem o discurso nesse mesmo acto. O espectáculo do louco profeta de The Network, que se anuncia através de uma raiva e desespero, filme que não deixa de ser actual, veio de certo modo indicar para a campanha televisiva e jornalística que chegou aos nossos dias. A imagem da violência.
The Network – o discurso do poder e da violência
Abandonando a forma continuada de consulta ao livro A Ordem do Discurso (1999), iremos doravante cursar nos campos da violência e do poder.
O filme The Network, como um todo, retrata uma imagem de violência. Da violência inicial proposta pelo suicídio, à violência mediática do grupo terrorista que filma os seus próprios assaltos, a agitação incessante no aumento audiência, à violência da morte em directo de Howard Beale. Todo o filme coloca em perspectiva um certo cinismo na imagem de violência, regulada por desejos de poder.
Para o filósofo esloveno, Slavoj Zizek, o capitalismo é estruturante no estudo da violência na era “post-political-bio-politics” o predominante modo político contemporâneo que pôs de lado a luta ideológica e que se ocupa do “expert management” das populações e dos seus dados biológicos, assegurando a vida humana enquanto matéria-prima – “bio-politics” (Zizek, 2008:40).
Zizek, diferencia quatro tipos de violência. A violência simbólica, que está embedida na linguagem e suas formas, e não se elabora apenas no óbvio – casos de dominação social reproduzidas nos nossos formatos usuais de discurso; a violência “sistémica”, ou a função suavizante do funcionamento político e económico; a violência subjectiva que actua na perturbação do estado normal de coisas, experienciada face a um grau zero de violência: sobre os corpos disciplinados; e a violência objectiva, que é inerente a este estado “normal”, operando no invísivel, e sustenta o grau zero de violência. (Zizek, 2008: 2)
A violência simbólica que se recolhe na linguagem é caracterizada por um poder fundamental. É através da linguagem que criamos relações com o Outro, e através deste acto comunicativo, que o Outro se coloca e torna como que um hiato entre nós. É neste desdobramento, apoioda numa espécie de violência simbólica que o discurso jornalístico vagueia. Entre as tramas do poder, a manipulação discursiva do jornalismo, leva-nos para este cenário de violência subjectiva e objectiva.
A emancipação das audiências coloca-as num discurso de inércia e passividade, de aceitação espectacular. O clamar de Howard Beale – “I'm mad as hell and I'm not gonna take this anymore!”, foi pervertido para um vazio de sentido, tornado comentário, texto de segunda ordem, devido à sua repetição mediática.
Após a emissão televisiva na qual Howard Beale denuncia negócios menos próprios para a democracia americana, Beale é chamado pelo chefe executivo do conglomerado que detêm a UBS. O discurso de Artur Jensen, interpretado por Ned Beatty, é exemplar nesta relação de poder e violência discursiva, tentando demonstrar que é impossível travar a praxis capitalista:
“You have meddled with the primal forces of nature, Mr. Beale, […] You are an old man who thinks in terms of nations and peoples. There are no nations. There are no peoples. […] There is only one holistic system of systems, one vast and immane, interwoven, interacting, multivariate, multinational dominion of dollars. Petro-dollars, electro-dollars, multi-dollars, reichmarks, rins, rubles, pounds, and shekels. It is the international system of currency which determines the totality of life on this planet. That is the natural order of things today. That is the atomic and subatomic and galactic structure of things today! And YOU have meddled with the primal forces of nature, and YOU... WILL... ATONE! […] You get up on your little twenty-one inch screen and howl about America and democracy. There is no America. There is no democracy. There is only IBM, and ITT, and AT&T, and DuPont, Dow, Union Carbide, and Exxon. Those are the nations of the world today. […] We no longer live in a world of nations and ideologies, Mr. Beale. The world is a college of corporations, inexorably determined by the immutable bylaws of business. The world is a business, Mr. Beale. It has been since man crawled out of the slime. And our children will live, Mr. Beale, to see that... perfect world... in which there's no war or famine, oppression or brutality. One vast and ecumenical holding company, for whom all men will work to serve a common profit, in which all men will hold a share of stock. All necessities provided, all anxieties tranquilized, all boredom amused. [...]”
As forças da natureza são forças do capital. Não vivemos mais num mundo de nações e ideologias, o mundo é hoje um negócio. Uma política de administração sobre os corpos. Um mundo espectáculo, governado pela tirania do fluxo económico. No jugo da hipocrisia e do cinismo.
Karl Marx termina a sua obra O Capital (1974) com as seguintes palavras: “O nosso antigo possuidor do dinheiro toma a dianteira, como capitalista; o possuidor da força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro vai trocista, importante, atarefado; o segundo, tímido, hesitante, reticente, como quem levou a sua própria pele ao mercado e só pode esperar uma coisa: ser esfolado.” (Marx, 1974: 290)
Conclusão
Será que podemos nos livrar desta política sobre os corpos? Será que conseguimos levantarmo-nos e reclamar o nosso direito à vida? Ou estamos condenados a ser espectadores “suicidados”?
A linguagem como parte do elemento discursivo, força de poder e desejo, condiciona o sujeito e a sua transformação. A intenção é manter o espectador animado, consumindo uma felicidade que é facultada por um Outro, um Outro mediático.
José Augusto Mourão, no prefácio da obra de William S. Burroughs, A Revolução Electrónica (2010), dispõe de forma sucinta o pensamento de Burroughs: Burroughs metaforiza Ideia e Verbo como vírus. Com a sua própria técnica de transformação das palavras (cut-up’s), principal instrumento de controlo institucional, W.B contrapõe o seu processo como “instrumento de fuga ao controlo”. A. Mourão continua, “Nenhuma máquina de controlo até hoje inventada pode funcionar sem palavras,[...]” (Burroughs, 2010:6) e caso algum dispositivo de controlo apenas na força ou no controlo físico, tente o fazer, irá decerto encontrar as fronteiras do controlo. Tal como Howard Beale, instigando a libertação do sujeito do jugo dos media, através de um corte, W. Burroughs propõe essa incisão com a experiência narrativa, corte com as máquinas produtoras de uma política sobre os corpos.
Será então esse o caminho a seguir? O corte com a experiência narrativa dos das máquinas discursivas? Ou como é proposto por Beale, desconectar-mos do aparelho televisivo? Desligar do discurso dos media?
Gilles Lipovetsky finda no seu livro, A Cultura-Mundo (2008) que num processo de construção cultural, coloca-se em perspectiva um caminho para trilhos sinuosos que somos confrontados todos os dias: “A cultura não deve apenas exaltar o que é profundo, mas também fazer algo que é mais importante para a maioria: limitar a desorientação e permitir a estima de si com actividades que mobilizem a paixão dos seres humanos para se superarem, para serem agentes da sua própria vida.” (Lipovetsky, Serroy, 2008: 243) O objectivo será então, adquirir bases e competências suficientes, processos de desconstrução, numa perspectiva de exterioridade, que nos permitam reforçar o elo que nos conecta uns aos outros, ou seja, a relação de intersubjectividade, como ajuda a criar o nosso próprio mundo, tendo em conta os modos pelos quais os discursos habitam (n)as nossas vidas (através de relações de poder e controlo).
Bibliografia:
Observamos então que o discurso é algo extremamente elementar no que respeita à nossa actividade comunicacional. É uma manifestação exterior e interior. É uma trama que nos trespassa, como se fossemos caixas-negras, moldados por mensagens que interiorizamos e agindo por aquilo que ganha forma no nosso interior: qual estrutura discursiva, de input's e output's, baseada em relações de desejo e poder.
O discurso assume-se assim como uma forma de mediação que nos afecta diariamente: O discurso político, o discurso publicitário, o discurso da música e do cinema, entre tantos outros. E por todos os discursos que nos tomam, organizam a nossa forma de ver o mundo e de estar no mundo.
[...] , este trabalho terá como ponto de foque a análise do filme The Network de 1976. Recorrendo a diversos autores que irão servir de apoio à exposição do trabalho. Esta análise tem como propósito identificar as práticas discursivas na obra realizada por Sidney Lumet.
Sendo um filme que enquadra o jornalismo, no decurso televisivo, será o discurso jornalístico, o principal alvo de análise. O discurso da violência, também será abordado, já que este filme retrata certas condições de violência que são presentes no enunciado fílmico.
Nesta ordem, irei primeiro elaborar uma descrição do filme, focando os pontos que considero mais expressivos. De seguida, uma análise detalhada sobre os discursos de análise e mensagens presentes no filme, fazendo a ligação a tópicos encontrados no livro de referência principal: A Ordem do Discurso (1999).
The Network – Objecto de Análise
The Network, realizado por Sidney Lumet, estabelece uma sátira à televisão e ao jornalismo, ficcionando uma cadeia de televisão que combate as baixas audiências e uma enorme dívida ao seus credores. Um filme que expõe uma certa ruptura com os elementos básicos da narrativa fílmica dos nossos tempos. Uma sátira à sociedade, uma crítica ao espectáculo televisivo.
Considerado como um marco da sétima arte, esta obra, reconhecida com 4 óscares na Academia, está presente em várias listas de eleição no universo cinematográfico. Actores de renome como Faye Dunaway, Peter Finch, ou Robert Duval, estruturam parte do elenco principal. Paddy Chayefsky escreveu o argumento. Autor de filmes como o drama romântico: Marty de 1955, ou Altered States de 1980: retrato de um cientista que se serve como cobaia para as suas experiências com drogas alucinogénicas. Paddy Chayefsky, entrevistado num talk-show por Dinah Shore, é interrogado como é que o autor escreve um argumento romântico, calmo e carinhoso como o de Marty, e na sequência da sua produção de contos para o grande écran, passa para um enredo que anula o final feliz, tão típico de Hollywood. A resposta categórica de Paddy: “It's not me, I'm still writting tender, delicate pieces, it's the world that gonne nut's”. Iniciando a análise neste trabalho, encontramos nas palavras do argumentista a ruptura com a narrativa canónica, de uma resposta «com final feliz», tornando-se, assim, parte de um discurso poético que nos leva a pensar: o mundo enlouqueceu, o mundo não é de finais felizes. Continuando na descrição técnica do filme, o realizador desta narrativa, Sidney Lumet, reconhecido mestre da sétima arte, dirigindo mais de 50 filmes ao longo da sua carreira, é elogiado pelo seu conhecimento técnico, e também de obter excelentes prestações dos actores. Conhecido por filmes como: Dog Day Afternoon, de 1975, com Al Pacino, filme que retrata um assalto a um banco que não corre como previsto; ou: Before the Devil Knows You're Dead, de 2007, representado por actores como: Phillip Seymour Hoffman e Ethan Hawke.
Iniciando a nossa jornada sobre o estudo de caso, The Network tem o seu começo, na sonoridade de um narrador descrevendo o percurso do actor principal: Howard Beale protagonizado por Peter Finch. Beale, pivot da cadeia de televisão UBS, foi sempre considerado um homem importante na estação. Cativante de boas audiências, apelidado como: “grand old man of news”. No entanto, o seu período áureo, entrou em declínio. A audiências começaram a cair, a sua mulher faleceu e ficou encarregue da educação do seu filho. Nesta mudança de glória, para a ruína, o seu amigo de longa data, informa-o que vai ser despedido devido às más audiências. Beale em resposta, embebido em desespero, propõe suicidar-se em directo no seu programa. No bar, o seu amigo, Max Schumacher, num tom impudico e já com uma boa dose de álcool a correr nas suas veias concorda com Beale. Ajudando a intenção desesperada do seu amigo, sugere emissões televisivas com suicídios, ou assassinatos a que ele chama de “Death Hour”: um programa familiar na noite de domingo. Um momento de desespero que revela desejos ocultos de uma espectacularidade conquistada a qualquer preço.
Howard Beale, que se vê em fim de carreira, sem motivo algum para continuar a vida, coloca-se na beira de um precipício em frente a uma câmara. E é essa a posição que o “grand old man of news” encarna. Não tem nada, logo não tem nada a perder.
A personagem principal deambula no estúdio, com um copo de whisky na mão, ignorado pelo resto dos colegas, tornando-se como que um mero adereço de cenário. Um corpo sem vida, que apenas lhe é atribuído algum fulgor perante as câmaras. Só aí Howard Beale é visto e existe. Em directo Beale declara o seu suicídio. A estruturas da televisão tremem e a televisão não voltará a ser a mesma. Momento de ruptura com a prática discursiva do jornalismo. Beale é retirado do ar.
No entanto, este momento é visto como oportuno pela chefe do departamento de programação, interpretado por Faye Dunaway. Diana, que revela características de uma deusa da mitologia romana, uma caçadora de sucessos televisivos, propõe que o programa seja reposto. As suas palavras são deveras esclarecedoras de uma exposição, quase sanguinária, para atingir resultados positivos nas audiências:
“The american people are turning sullen. They've been clobbered on all sides by Vietnam, Watergate, inflation, depression. They've turned off, shot up, fucked themselves limp, and nothing helps.”
Em análise assenta que o povo americano quer alguém que articule a sua raiva e Howard Beale vai ser esse alguém.
De seguida o filme é atravessado por vários momentos marcantes. Um deles é o discurso do profeta louco, após um encontro com uma força estranha que o abordou durante a noite, como que algo que o conectou a todas as coisas viventes. Atribuindo-lhe a responsabilidade de dizer a verdade, a verdade humana, pelo simples facto de ter milhões de pessoas como espectadores. O potencial óbvio da televisão como canal privilegiado na divulgação de mensagens. Inicia-se assim a apresentação de discursos sustentados no valor de verdade de um profeta louco. O louco desejo de criar alguma acção nos ouvintes. Algo que resulta. Beale também na sua atitude manipulativa coloca todos os espectadores a gritar pela janela de suas casas: “I'm mad as hell and I'm not gonna take this anymore!”. Palavras de ordem que não se cingem apenas ao contexto temporal da realização deste filme, mas de um tempo presente, que navega nas mesmas situações de inércia e conformidade social.
O seu discurso, continua com a crítica à tirania do espectáculo. Criticando a passividade do espectador. Criticando o estado natural das coisas. O ar que respiramos, os alimentos que ingerimos. Tudo está impróprio. A notícias relatadas que apenas expõem crimes e violência, como se fosse apenas isso que se passa no mundo. Beale em pranto, apela que a vida tem significado. A vida não é apenas os objectos que temos e que nos possuem. Temos que nos enfurecer, libertarmo-nos do jugo da escravidão mediática (através de um acto libertador, um acto de loucura?).
O programa do profeta louco, continua o seu curso afamado com constantes aumentos de audiências. Por ora, não importa o que ele diga, apenas que faça a empresa ganhar dinheiro. Diana, a caçadora de programas, prepara um novo espectáculo: Pretende criar um “tv-show”, uma série dramática que retrata um grupo de terroristas comunistas na sua demanda contra o sistema – “Ecumenical Liberation Army”. Apresentando-se a uma das líderes do grupo terrorista, Diana, de maneira esclarecedora, expressa-se da seguinte forma: “I’m Diana Christensen, a racist lackey of the imperialist rulling circles” – Palavras frontais, de uma vontade de verdade. Diana, propõe para o programa actos autênticos de terrorismo político! A intenção da caçadora é a busca do espectáculo da violência. Uma exposição frontal aos propósitos, por vezes encobertos, dos media: O sensacionalismo; alimento das massas.
Este momento do filme, prevê também uma intenção da lógica do “broadcast yourself” mote fundador do aparelho mediático, YouTube, projecção do que foi instituído pelo principio “star system”: todos podem ser estrelas do écran.
O slogan é criado: “I’m as hell and I’m not gonna take this anymore” – e como um parasita, aloja-se na mente do sujeito-espectador. Um acto repetitivo que transforma o seu poder actuante.
Beale continua a sua crítica social, colocando o poder “tele-visivo”, como dispositivo de propaganda. A ilusão é projectada e segundo o protagonista, a loucura já está instalada em todos. De notar como este filme demonstra uma certa loucura generalizada. Processo mediatizado e incorporado, por princípios socioeconómicos. Uma rede que nos liga de forma totalizante e estruturante. O louco profeta coloca também em cena, no seu discurso, o mundo das corporações, o mundo como espaço de meras trocas financeiras. Beale coloca em cheque este mundo de negócios pedindo ao povo americano que se manifeste contra a dominação corporativista, algo que consegue, fazendo cancelar um negócio de milhões de dólares.
Este discurso contra um sistema financeiro, por vezes representado por “um eles”, denota distanciamento, numa lógica de triangulação na construção/interacção do sujeito(eu; tu; ele): o “eles” como espaço vazio que necessita de ser preenchido, como forma de responsabilizar o que está em falta (no eu do sujeito).
No entanto este “eles” apresentado no filme, tem um evangelho, uma doutrina que é confidenciada ao profeta da televisão. Beale tem um encontro com o membro executivo do conglomerado CCA. É nos apresentado essa doutrina que rege as leis do mundo, conforme expresso pela personagem Artur Jensen. Um discurso complexo, que iremos analisar mais à frente. No entanto de notar a composição desta cena, que é deveras interessante: Beale sentado numa longa mesa de reunião. Uma luz sombria, apenas revelando as faces dos actores. Artur Jensen (enquadrado pela câmara num plano de distância, incorporação cinematográfica do “eles” – tele-objectivação do discurso do “sistema”), de pé, é colocado numa posição de deus, gesticulando com os braços, palavras de uma verdade, a verdade do capitalismo, que quebra a noção de fronteiras, expondo como o verdadeiro do discurso: o fluxo económico que determina o poder. O poder corre como uma maré, e nada o pode parar, segundo as palavras do membro executivo. Este tipo de discurso tão explícito de uma intenção corporativista, colocado sobre o cenário do cinema, ganha uma dimensão ficcional. Embora como espectadores deste filme, sejamos confrontados com algo, que aparenta ser mais que palavras de um mero argumento ficcional, a nossa percepção acerca da mensagem– o mundo como um negócio - poderá também ela se tornar objecto de ficção. O poder de ficcionar um discurso do real.
As mensagens de Beale, após o encontro fatídico com o deus do mundo das corporações, torna o seu discurso depressivo e enfadonho. Ninguém quer ouvir falar de um mundo que se está a desumanizar. Um mundo tornado numa massa consumidora. E o que sustenta Howard Beale no ar, começa a falhar. As audiências caiem a pique. Howard torna-se um louco inconveniente, não-lucrativo para a cadeia de televisão e necessita de ser insulado.
Notamos, nos constantes diálogos, a presença de mensagens no qual colocam certas personagens do filme como encarnações do espírito mediático dos media. Como seres vazios, humanóides, regidos pelas máquinas de poder. Max Schumacher, aparentemente lúcido sobre a verdade construída pelos media, compara Diana ao dispositivo dos mass media: Tudo o que a televisão toca, destrói. A indiferença à miséria, insensibilidade à alegria. Toda a vida é banalizada. O negócio diário da vida é uma comédia corrupta. Schumacher finaliza: “You’re Madness Diana. Virulent madness. And everything you touch dies with you”.
Perto do fim deste película, representativa do mundo do jornalismo, somos cotejados com um diálogo entre os directores da estação televisiva e a personagem Artur Jensen. O chefe-executivo do conglomerado pretende manter Howard Beale a todo o custo, já que o louco é a voz para o novo evangelho descritivo do mundo dos negócios. Por outro lado, a administração da UBS, vê com maus olhos a manutenção de Beale. A solução: A morte do profeta. Diana propõe como que uma acção retroactiva, que o grupo terrorista, Ecumenical Liberation Army”, providencie o assassinato em directo. O profeta louco, produtor do discurso: “I’m mad as hell and I’m not gonna take this anymore” é eliminado em directo perante os olhos de milhares de espectadores.
O filme termina com a frase: “This was the storie of Howard Beale. The first known instance of a man who was killed because he had lousy ratings.”
The Network – O Discurso Jornalístico, na ordem do discurso de Michel Foucault
Após a apresentação do objecto de análise, podemos constatar que o enunciado do filme baseia-se numa teia de práticas narrativas de carácter simbólico, uma relação entre controlo e poder no universo do jornalismo. Como fundamento para análise deste filme, iremos cursar por certos pontos presentes na obra de Michel Foucault A Ordem do Discurso (1999), tendo como pano de fundo o discurso jornalístico.
Concebendo o discurso do jornalismo na perspectiva foucauldiana de processos externos e internos, como procedimentos de controlo e exclusão, vamos de seguida analisar os processos que são estabelecidos pela sociedade, ou seja, processos externos.
São três os factores que atingem o discurso. A interdição da palavra, a segregação da loucura e a vontade de verdade.
Numa sociedade produtora de discursos que funciona sob parâmetros de desejo e poder, a interdição da palavra é tida como parte estruturante nesta relação de controlo. Nas palavras do autor francês, a mais evidente, a interdição da palavra, é tomada como travão ao que se pode dizer: “não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa” (Foucault, 1999:9). Pela criação de tabus, através da interdição da palavra, chegamos aos procedimentos, que irão determinar vias e meios de «eficácia simbólica» (Debray, 2004:89). Torna-se evidente no nosso objecto de estudo, que a intenção de Beale, em transmitir o seu suicídio na televisão, é um corte com essa relação da interdição da palavra, que abala as estruturas da sociedade. O que não poderia ser dito e feito na televisão é transmitido para milhares de pessoas. Este modo de instituir as palavras como tabu, funciona de maneira a condicionar gestos de violência, algo que o corpo textual de Howard Beale tenta romper. Como tentarei identificar ao longo desta análise, este filme estabelece-se numa dissolução do que rege as práticas discursivas do jornalismo e todo a sua performance simbólica: A mediação de informação objectiva numa perspectiva imparcial, baseada em conceitos de verdade.
A impedimento da palavra do louco foi o momento inicial do discurso moderno. A segregação da loucura como outro princípio de exclusão. Não uma interdição mas uma relação dividida entre razão e loucura: “[…] o louco é aquele cujo discurso não pode circular como o dos outros: [...]”(Foucault, 1999:10). Howard Beale assumindo o seu desespero na televisão, coloca-se na posição de louco. E no decorrer da narrativa deparamo-nos que em vez de Beale ser afastado das câmaras é encarado como um profeta dos últimos dias protestando contra a hipocrisia dos tempos. Algo que funciona como ingrediente fundamental para o aumento de receitas. Observando o sentido do profeta, encontramos a noção descrita por Michel Foucault, como alguém que pode dizer uma verdade escondida ou que poderá predizer o futuro. Alguém que as suas palavras são tidas como extravagantes, que tanto poderão ser desprezadas ou encaradas como incorporadas de verdade. Para fortalecer esta imagem de loucura no filme, Beale tem um momento transcendental. O afamado louco da televisão, é tocado por uma força “divina” e assume-se como orador de uma verdade escondida aos olhos dos outros. Neste sentido, a manutenção do pivot no ar, é a exploração de uma vertente sensacionalista, que teve o começo no universo jornalístico, com o Yellow Journalism, retratado no filme Citizen Kane, de Orson Welles.
Nesta sequência textual prosseguimos para o terceiro principio de exclusão: A vontade de verdade. Segundo Foucault, é a vontade de verdade que coloca toda a propriedade do discurso – discurso verdadeiro – do qual o que constitui toda essa estrutura é o desejo e o poder.
A vontade de verdade, a que mais se fortalece dos três processos externos, é, segundo Foucault, apoiada num suporte institucional. Os meios de comunicação e todo o fluxo económico que cerca esta industria, cria uma opinião através da produção de discursos, dando origem a uma realidade própria. As práticas do jornalista, no seu papel de mediador de conhecimento, são ancorados no que é designado por valores-notícia, uma salvaguarda para a objectividade e verdade do discurso jornalístico. Garantindo que a produção do discurso seja tido como verdadeiro. No entanto como relato desta objectividade, temos também que incorporar a noção de que o jornalista, supostamente como sujeito, que comenta a realidade, é também parte deste jogo de suporte institucional com desejos de dominação. Uma das mensagens expressas no filme é a relação das corporações, de camada de poder em camada de poder, criando um organismo que ultrapassa as próprias noções de fronteira. Seguindo as palavras de C. W. Mills no seu texto A Elite do Poder (1981), “Os meios de comunicação não só se infiltraram em nossas experiências das realidades externas, como também penetraram na experiência interior mesma”. (Mills, 1981:367)
Uma ordem simbólica que se relaciona externamente ao sujeito numa relação de poder e controlo. Beale adverte, com um clamar de revelação:
“You're beginning to believe to the illusions we're spinning here, you're beginning to believe that the tube is reality and your own lives are unreal. You do. Why, whatever the tube tells you: you dress like the tube, you eat like the tube, you raise your children like the tube, you even think like the tube. This is mass madness, you maniacs. In God's name, you people are the real thing, WE are the illusion.”
Uma massa alimentada por discursos, que voltam a comentar, e formam um novo discurso, o discurso de uma realidade fabricada. É de analisar estas palavras do pivot profeta, referindo a loucura generalizada das massas, e a subversão no conteúdo do que é apresentado pelo tubo televisivo. Que educa, condiciona, que manipula os milhares de espectadores.
Esta estrutura institucional, coloca-nos perante o texto de Regis Debray, a Introdução à Mediologia (2004), onde é referido as superestruturas de Karl Marx: “Nas superestruturas, ondem existem discursos, formas e ideias, as máquinas e os materiais ocultam-se. [...] um corpus «ideológico» é o espírito de um corpo, o organismo colectivo que ele reproduz ou que o produz, bem como de uma determinada ferramenta de transmissão; […] um processo de pensamento tem a materialidade objectiva de um processo de organização.” (Debray, 2004:95-96). Consideramos assim o discurso jornalístico como organizador de uma linguagem que colectiva, na qual a vontade de verdade é determina por essa mesma instituição.
Na ordem do texto de Michel Foucault, consideramos como preponderante para os processos internos do discurso jornalístico, o comentário e o autor. Como formas internas de controlo, intrínsecas ao próprio discurso, reguladas por princípios de classificação, de ordenação e distribuição, o comentário, é um desnivelamento entre um texto primeiro e um texto segundo. Uma relação instável. O texto primeiro, discurso fundamental, criador e reactualizável. Os discursos que «se dizem», um sentido múltiplo ou escondido, que se afirma como possuidor de uma riqueza que lhe atribuímos fundamentando a possibilidade de o repetir. Uma acção discursiva primeira, originadora de novas acções. Do outro lado, o texto segundo, como acto da ordem da repetição, da reaparição, “[…] discursos que estão na origem de certo número de actos novos de fala que os retomam, os transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que, […] são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer”(Foucault, 1999: 22). O comentário surge assim como um retornar da acção do texto primeiro, da ordem do já dito. No discurso jornalístico, estamos constantemente perante esta noção de comentário, um discurso da ordem da repetição. Formação de opinião, não numa intenção de emancipação do homem, mas de controlo das massas, através de uma saturação discursiva.
Complementar ao comentário, o autor, é encarado segundo Foucault, como princípio de agrupamento do discurso, e não como o mero sujeito que escreve um texto, mas o resultado de unidade e origem das suas significações, que funciona deste modo como foco da sua coerência.
O argumentista Paddy Chayefsky no talk-show de Dinah Shore, questionado sobre qual a mensagem do filme, responde: “[...] how do you perserve yourself, in a world that life doesn't mean much[...]”. Continua afirmando que a sua posição de sujeito-espectador, gera o motivo e a mensagem, é a sua visão acerca do mundo, e a sua interacção com outros indivíduos, interiorizando tudo aquilo que o rodeia que é produtor de sentido. Esta distanciação de um autor como detentor de significação única, proprietário de significação, vai ao encontro das palavras de Michel Foucault no seu livro O que é um Autor?(1992): “[...] a função-autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que contém, determina, articula o universo dos discursos; [...] ela não é definida pela atribuição espontânea de um discurso ao seu produtor, mas por uma série de operações específicas e complexas; ela não remete pura e simplesmente a um indivíduo real, ela pode dar lugar simultaneamente a vários egos, a varias posições-sujeito que classes diferentes de indivíduos podem vir a ocupar.” (Foucault, 1992: 20) Podemos concluir que a propriedade discursiva da função-autor, dentro do discurso jornalístico, utiliza uma linguagem própria como uma operação institucional de modo a construir novos discursos (de poder).
The Network como sátira ao mundo do jornalismo emite um discurso preocupante de uma realidade que já se alojou na sociedade, como um vírus. Podemos observar que apesar do jornalismo se reger por procedimentos e rituais que aparentemente asseguram a sua objectividade e imparcialidade, com o surgimento da penny press, no séc. XIX, os jornais passam a ser encarados como um negócio. As notícias são vistas como um produto, e a venda de relatos do real é o propósito de qualquer organização noticiosa. Esta fundamentação comercial do jornalismo, coloca o discurso jornalístico dependente dos princípios da corporação, na produção do discurso verdadeiro (dos media), ou seja, no intuito de vender.
O tempo do Yellow Jornalism, de William Hearst, indicativo de uma comercialização exacerbada, tem vindo a alterar por completo todo o modo de agir no campo dos media. A busca de um jornalismo sensacionalista, cujo a imagem de violência serve como um dos panos de fundo, estabelece-se de modo a sustentar este poder material e simbólico. O discurso jornalístico apresenta-se como poder, da construção de uma atracção sensacional (e não apenas como o “Quarto Poder”). Coagindo uma tirania da velocidade e do espectáculo, concebem o discurso nesse mesmo acto. O espectáculo do louco profeta de The Network, que se anuncia através de uma raiva e desespero, filme que não deixa de ser actual, veio de certo modo indicar para a campanha televisiva e jornalística que chegou aos nossos dias. A imagem da violência.
The Network – o discurso do poder e da violência
Abandonando a forma continuada de consulta ao livro A Ordem do Discurso (1999), iremos doravante cursar nos campos da violência e do poder.
O filme The Network, como um todo, retrata uma imagem de violência. Da violência inicial proposta pelo suicídio, à violência mediática do grupo terrorista que filma os seus próprios assaltos, a agitação incessante no aumento audiência, à violência da morte em directo de Howard Beale. Todo o filme coloca em perspectiva um certo cinismo na imagem de violência, regulada por desejos de poder.
Para o filósofo esloveno, Slavoj Zizek, o capitalismo é estruturante no estudo da violência na era “post-political-bio-politics” o predominante modo político contemporâneo que pôs de lado a luta ideológica e que se ocupa do “expert management” das populações e dos seus dados biológicos, assegurando a vida humana enquanto matéria-prima – “bio-politics” (Zizek, 2008:40).
Zizek, diferencia quatro tipos de violência. A violência simbólica, que está embedida na linguagem e suas formas, e não se elabora apenas no óbvio – casos de dominação social reproduzidas nos nossos formatos usuais de discurso; a violência “sistémica”, ou a função suavizante do funcionamento político e económico; a violência subjectiva que actua na perturbação do estado normal de coisas, experienciada face a um grau zero de violência: sobre os corpos disciplinados; e a violência objectiva, que é inerente a este estado “normal”, operando no invísivel, e sustenta o grau zero de violência. (Zizek, 2008: 2)
A violência simbólica que se recolhe na linguagem é caracterizada por um poder fundamental. É através da linguagem que criamos relações com o Outro, e através deste acto comunicativo, que o Outro se coloca e torna como que um hiato entre nós. É neste desdobramento, apoioda numa espécie de violência simbólica que o discurso jornalístico vagueia. Entre as tramas do poder, a manipulação discursiva do jornalismo, leva-nos para este cenário de violência subjectiva e objectiva.
A emancipação das audiências coloca-as num discurso de inércia e passividade, de aceitação espectacular. O clamar de Howard Beale – “I'm mad as hell and I'm not gonna take this anymore!”, foi pervertido para um vazio de sentido, tornado comentário, texto de segunda ordem, devido à sua repetição mediática.
Após a emissão televisiva na qual Howard Beale denuncia negócios menos próprios para a democracia americana, Beale é chamado pelo chefe executivo do conglomerado que detêm a UBS. O discurso de Artur Jensen, interpretado por Ned Beatty, é exemplar nesta relação de poder e violência discursiva, tentando demonstrar que é impossível travar a praxis capitalista:
“You have meddled with the primal forces of nature, Mr. Beale, […] You are an old man who thinks in terms of nations and peoples. There are no nations. There are no peoples. […] There is only one holistic system of systems, one vast and immane, interwoven, interacting, multivariate, multinational dominion of dollars. Petro-dollars, electro-dollars, multi-dollars, reichmarks, rins, rubles, pounds, and shekels. It is the international system of currency which determines the totality of life on this planet. That is the natural order of things today. That is the atomic and subatomic and galactic structure of things today! And YOU have meddled with the primal forces of nature, and YOU... WILL... ATONE! […] You get up on your little twenty-one inch screen and howl about America and democracy. There is no America. There is no democracy. There is only IBM, and ITT, and AT&T, and DuPont, Dow, Union Carbide, and Exxon. Those are the nations of the world today. […] We no longer live in a world of nations and ideologies, Mr. Beale. The world is a college of corporations, inexorably determined by the immutable bylaws of business. The world is a business, Mr. Beale. It has been since man crawled out of the slime. And our children will live, Mr. Beale, to see that... perfect world... in which there's no war or famine, oppression or brutality. One vast and ecumenical holding company, for whom all men will work to serve a common profit, in which all men will hold a share of stock. All necessities provided, all anxieties tranquilized, all boredom amused. [...]”
As forças da natureza são forças do capital. Não vivemos mais num mundo de nações e ideologias, o mundo é hoje um negócio. Uma política de administração sobre os corpos. Um mundo espectáculo, governado pela tirania do fluxo económico. No jugo da hipocrisia e do cinismo.
Karl Marx termina a sua obra O Capital (1974) com as seguintes palavras: “O nosso antigo possuidor do dinheiro toma a dianteira, como capitalista; o possuidor da força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro vai trocista, importante, atarefado; o segundo, tímido, hesitante, reticente, como quem levou a sua própria pele ao mercado e só pode esperar uma coisa: ser esfolado.” (Marx, 1974: 290)
Conclusão
Será que podemos nos livrar desta política sobre os corpos? Será que conseguimos levantarmo-nos e reclamar o nosso direito à vida? Ou estamos condenados a ser espectadores “suicidados”?
A linguagem como parte do elemento discursivo, força de poder e desejo, condiciona o sujeito e a sua transformação. A intenção é manter o espectador animado, consumindo uma felicidade que é facultada por um Outro, um Outro mediático.
José Augusto Mourão, no prefácio da obra de William S. Burroughs, A Revolução Electrónica (2010), dispõe de forma sucinta o pensamento de Burroughs: Burroughs metaforiza Ideia e Verbo como vírus. Com a sua própria técnica de transformação das palavras (cut-up’s), principal instrumento de controlo institucional, W.B contrapõe o seu processo como “instrumento de fuga ao controlo”. A. Mourão continua, “Nenhuma máquina de controlo até hoje inventada pode funcionar sem palavras,[...]” (Burroughs, 2010:6) e caso algum dispositivo de controlo apenas na força ou no controlo físico, tente o fazer, irá decerto encontrar as fronteiras do controlo. Tal como Howard Beale, instigando a libertação do sujeito do jugo dos media, através de um corte, W. Burroughs propõe essa incisão com a experiência narrativa, corte com as máquinas produtoras de uma política sobre os corpos.
Será então esse o caminho a seguir? O corte com a experiência narrativa dos das máquinas discursivas? Ou como é proposto por Beale, desconectar-mos do aparelho televisivo? Desligar do discurso dos media?
Gilles Lipovetsky finda no seu livro, A Cultura-Mundo (2008) que num processo de construção cultural, coloca-se em perspectiva um caminho para trilhos sinuosos que somos confrontados todos os dias: “A cultura não deve apenas exaltar o que é profundo, mas também fazer algo que é mais importante para a maioria: limitar a desorientação e permitir a estima de si com actividades que mobilizem a paixão dos seres humanos para se superarem, para serem agentes da sua própria vida.” (Lipovetsky, Serroy, 2008: 243) O objectivo será então, adquirir bases e competências suficientes, processos de desconstrução, numa perspectiva de exterioridade, que nos permitam reforçar o elo que nos conecta uns aos outros, ou seja, a relação de intersubjectividade, como ajuda a criar o nosso próprio mundo, tendo em conta os modos pelos quais os discursos habitam (n)as nossas vidas (através de relações de poder e controlo).
Bibliografia:
- Burroughs, W. (2010), A Revolução Electrónica, Lisboa: Nova Vega, Limitada
- Debray, R. (2004), Introdução à Mediologia, Lisboa: Livros Horizonte
- Foucault, M. (1999), A Ordem do Discurso, São Paulo: Edições Loyola
- Foucault, M. (1992), O que é um Autor? – consulta versão digital em: https://leglessspider.files.wordpress.com
- Lipovetsky, G., Serroy, J (2010), A Cultura-Mundo Resposta a uma Sociedade Desorientada, Coimbra: Edições 70, Lda.
- Marx, K. (1974), O Capital, Coimbra: Centelha – Promoção do Livro, SARL
- Mills, C.W (1981), A Elite do Poder, Rio de Janeiro: Zahar Edições
- Zizek, S. (2008), Violence, New York: Picador